terça-feira, novembro 28, 2006

Narrativas (4)

Um sorriso espontâneo. A alegria de regressar a casa: são e salvo! Como ele dizia. Para trás, as intempéries de um bloco operatório, onde esteve por duas vezes seguidas pois da primeira intervenção surgiu um hematoma que foi necessário remover com urgência. Olhando ao pescoço é caso para dizer «De papo cheio»! Um corte longo, embora não muito profundo. Conversa descontraído. Come e bebe naturalmente sem esforço. Transmite a imagem de um homem calmo e forte. Mas todos sabemos da sua fragilidade, da sua necessidade mais do que nunca das expressões de afecto, da sua incapacidade de aguentar as dores físicas. Desta vez não se queixa. Confirmamos que nada lhe dói no corpo. Mas dói-lhe que os resultados ainda não tenham vindo do exame feito a toda aquela ramificação linfática que lhe foi extraída e em que um dos nódulos é canceroso. Decide manter-se eremita em sua casa resguardado das perguntas incómodas dos familiares e amigos. Até saber tudo. Está profundamente apreensivo. Percebemo-lo sempre que o seu silêncio é acompanhado por um olhar vago e fixo num ponto sabe-se lá onde! Volta a si quando o interrompemos nessas viagens interiores em que se questiona sobre estas últimas páginas do seu livro que nunca pensou vir a escrever. Escreveu muito aulas, investigações, artigos, livros, conferências, cartas... Agora escreve sem saber como «Do tumor até à esperança... com fé.»

[enviado por Frei Luís de Oliveira, ofm]

sábado, novembro 25, 2006

Teoria (3)

A Saúde como tarefa Espiritual

A saúde espiritual, no processo global do cuidar, foi abordada por Dufner e Grun.
Os autores apontam algumas pistas para caracterizar uma espiritualidade como «saudável». São elas:

Mistagógica e não moralizadora
Mistagógica quando introduz ou inicia o indivíduo no mistério de Deus e no mistério da pessoa.
A moralizante tem como principal objectivo evitar as faltas e os pecados. Parte do ideal de perfeição moral e está em permanente perigo de criar escrúpulos de consciência.

Libertadora e não asfixiante
Uma espiritualidade saudável tende a introduzir o ser humano numa vivência de Liberdade: a liberdade dos filhos de Deus. A liberdade interior, que se consegue por uma ascese espiritual, é o único local onde se consegue a libertação dos factores exteriores condicionantes, nomeadamente as expectativas e exigências que são impostas.

Criadora de unidade e não de divisão
Uma espiritualidade saudável implica na relação com os outros com sentimentos fraternos.
O indivíduo sente-se profundamente solidário com cada ser humano: nas suas limitações e fragilidades, e no desejo de salvação.
Quando uma «espiritualidade» classifica as pessoas em crentes e não crentes, entre ortodoxos e hereges, entre piedosos e depravados, entre bons e maus, está a dar uma mostra clara de que é uma espiritualidade a precisar de cura.
Uma espiritualidade de unidade valoriza o sentido das relações interpessoais
A vida espiritual saudável precisa de boas relações humanas, cordiais, relaxadas, nas quais se possa dedicar aos outros o próprio tempo.
Uma amizade autêntica e profunda fertiliza a vida espiritual.

Encarnada e não separada da realidade
Uma espiritualidade sã capacita a pessoa para, a diário, fazer bem as suas coisas, superando as dificuldades inevitáveis do trabalho e do contexto social.
Se se busca na espiritualidade uma fuga à realidade, está no bom caminho para “adoecer no espírito”.

Que procura Deus e não os seus consolos
O cultivar a vida espiritual tem como objectivo ter experiências espirituais.
Mas há o perigo de se ficar pelas vivências e sentimentos, que acabam por ser o mais importante, relegando a questão do sentido – e Deus – para um segundo lugar.
As experiências isoladas nada dizem da qualidade da vida espiritual. Esta demonstra-se no caminho do amor dado e recebido nas interligações fraternas, e consequente compromisso.

Global e não excluente
Uma espiritualidade saudável contempla a totalidade da pessoa, todas as suas dimensões:
- entendimento e vontade;
- coração e sentimentos;
- espírito e corpo;
- consciente e inconsciente .
Tudo deve ser abrangido pela vida espiritual.

Humilde e não orgulhosa
A humildade é o melhor critério para discernir da saúde de uma vida espiritual.
“A humildade é a base e o fundamento de todas as virtudes e sem ela não há nenhuma que o seja” (Cervantes).


In LA SALUD COMO TAREA ESPIRITUAL
DUFNER, MEINRAD y GRUN, ANSELM
NARCEA, S.A. DE EDICIONES
ISBN: 8427713320


[enviado por L.M. FIGUEIREDO RODRIGUES]

terça-feira, novembro 07, 2006

Resultados (2)

A Espiritualidade é uma dimensão da Pessoa, que como as outras, em situação de doença, deve merecer igual prioridade por parte dos profissionais de saúde. Na actualidade, muitos estudos da Academia provam estas realidades e das consequências benéficas para os pacientes e seus significativos. No entanto, continua a ser necessário a existência de estudos de caso que permitam de uma forma mais concreta, operacionalizar a ajuda que os profissionais de saúde, especialmente os Enfermeiros podem prestar.

No "Critical Care Nurse" de Dezembro de 2005, o artigo "Intensive Spiritual Care"[1] realiza esse objectivo. Descreve uma situação de internamento numa Unidade de Cuidados Intensivos de uma doente de opção religiosa Budista, estando o seu estado crítico e havendo barreiras de comunicação com a família por esta não falar bem Inglês (não posso aqui deixar passar a analogia com a situação portuguesa, com o aumento do número de imigrantes com outras linguas-mãe e confissões religiosas...).

Para a prestação de cuidados de Enfermagem, foi sentido pelos autores do artigo a necessidade da existência de um Modelo de Apoio Espiritual, tenso sido proposto o modelo de Fitchett de 7 Dimensões.

As Dimensões propostas por Fitchett são [tradução livre]:

1 - Crenças e Significados - Missão pessoal ou religiosa, a justificação dos eventos ou circunstâncias, a percepção do significado da vida;

2 - Autoridade e Orientação - Individuo ou grupo em que a pessoa ou a sua família deposita confiança e procura aconselhamento, recursos (textos religiosos) a que os doentes ou as suas famílias possam recorrer;

3 - Experiências e Emoções - Percepções do evento ou da circunstância associada à doença, suas consequências emocionais face à experiência;

4 - Comunidade - Grupo formal ou informal que partilha crenças e rituais comuns;

5 - Rituais e Práticas - Actividades significativas e tradições específicas;

6 - Coragem e Crescimento - dúvidas, as mudanças ocorridas nas suas vidas e os desafios enfrentados;

7 - Vocação e Consequências - decisões morais e éticas que manifestam a m resposta ao chamamento das suas crenças.


A reflectir...

[Enviado por CARLOS CARGALEIRO]

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[1] Johnson, TD - Intensive Spiritual Care. A Case Study. Critical Care Nurse, Vol 25, nº 6, Dez 2005:20-27