terça-feira, novembro 28, 2006

Narrativas (4)

Um sorriso espontâneo. A alegria de regressar a casa: são e salvo! Como ele dizia. Para trás, as intempéries de um bloco operatório, onde esteve por duas vezes seguidas pois da primeira intervenção surgiu um hematoma que foi necessário remover com urgência. Olhando ao pescoço é caso para dizer «De papo cheio»! Um corte longo, embora não muito profundo. Conversa descontraído. Come e bebe naturalmente sem esforço. Transmite a imagem de um homem calmo e forte. Mas todos sabemos da sua fragilidade, da sua necessidade mais do que nunca das expressões de afecto, da sua incapacidade de aguentar as dores físicas. Desta vez não se queixa. Confirmamos que nada lhe dói no corpo. Mas dói-lhe que os resultados ainda não tenham vindo do exame feito a toda aquela ramificação linfática que lhe foi extraída e em que um dos nódulos é canceroso. Decide manter-se eremita em sua casa resguardado das perguntas incómodas dos familiares e amigos. Até saber tudo. Está profundamente apreensivo. Percebemo-lo sempre que o seu silêncio é acompanhado por um olhar vago e fixo num ponto sabe-se lá onde! Volta a si quando o interrompemos nessas viagens interiores em que se questiona sobre estas últimas páginas do seu livro que nunca pensou vir a escrever. Escreveu muito aulas, investigações, artigos, livros, conferências, cartas... Agora escreve sem saber como «Do tumor até à esperança... com fé.»

[enviado por Frei Luís de Oliveira, ofm]

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei deste texto.
Parabenizo Frei Luís pela leitura da realidade dura dos doentes de cancer.
Fico esperando novos envios.

Liliana